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Zoologia Cultural é pop! Prof.º Elidiomar Ribeiro, da UNIRIO, desvenda os mistérios da ciência dedicada ao estudo dos animais

O que Wolverine, Batman, Blu e Nemo têm em comum? São personagens inspirados em animais – carcaju, morcego, ararinha-azul e peixe-palhaço, respectivamente – e que estão representados simbolicamente na cultura pop. Nestes casos, eles se tornaram populares nas histórias em quadrinhos e em longas de animação nos cinemas. Mas, a verdade, é que desde sempre os animais estiveram presentes em todas as manifestações culturais, do folclore a filmes e livros, entre outras. E há uma ciência dedicada a estudar essa conexão: é a Zoologia Cultural.

Entomólogo, Mestre, Doutor em Zoologia e um apaixonado pelo tema, o Professor Dr. Elidiomar Ribeiro da Silva, da UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), desvenda os mistérios dessa ciência em entrevista ao portal Meus Bichos.

Ribeiro ainda destaca o potencial da Zoologia Cultural nas atividades de ensino, de divulgação científica e na preservação da biodiversidade. “Um dos conceitos melhor estabelecidos nas práticas conservacionistas é o que diz que só se preserva aquilo que se conhece. E a Zoologia Cultural funciona para mostrar que o público, muitas vezes, não conhece a espécie animal real, mas conhece o personagem cultural que nela foi inspirado”, comenta.

Entomólogo, Mestre e Doutor em Zoologia, o professor Elidiomar Ribeiro da Silva, da UNIRIO, é um apaixonado pelo tema.
Foto: Divulgação

O que é Zoologia Cultural e como é essa relação do tema zoo com a cultura pop?
“Zoologia é a ciência dedicada ao estudo dos animais. E a Zoologia Cultural é o estudo da presença simbólica dos animais nas mais distintas manifestações da cultura. É fácil perceber que nós, seres humanos, nos interessamos muito pelos outros animais. Em todos os produtos de nossa cultura, desde filmes até livros, de arte sacra aos grafismos urbanos, do folclore às histórias em quadrinhos, sempre há menção aos bichos. E essa tremenda força cultural pode ser utilizada nas atividades de ensino, divulgação científica e preservação da biodiversidade.”

Como surgiu seu interesse por estudar esse tema? Você sempre foi fã de histórias que relacionam animais a humanos, como as HQs?
“Meu interesse surgiu completamente por acaso. Eu sempre quis ser zoólogo, desde criança. Nunca fui ligado em HQs (na minha época de infância mais chamadas como gibis ou historinhas), filmes ou similares – meu foco sempre foram os animais. Cresci almejando ingressar em um curso superior de Biologia, para poder, finalmente, estudar os animais. E assim cursei Ciências Biológicas na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), fiz mestrado e doutorado em Zoologia no Museu Nacional e ingressei como professor na UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro). Até então, permanecia sem grandes interesses na cultura pop em geral até que, meio como uma brincadeira, eu e alguns colegas fizemos um trabalho sobre os 50 personagens de maior popularidade, nas HQs, que tivessem inspiração em animais. Foram 25 personagens da Marvel e 25 da DC. A apresentação do trabalho, feita na III Jornada de Zoologia da UNIRIO, em 2011, atraiu muita atenção, inclusive de pessoas de fora da academia científica. Ali eu percebi que essa abordagem tem enorme potencial de utilização.”

De que forma os conceitos da Zoologia Cultural podem ser aplicados na educação ambiental?
“O primeiro ponto é a sensibilização. Usando-se um personagem querido, ou mesmo um filme, HQ, livro ou desenho animado, eu trago para o público presente na ação lembranças culturais queridas, afetivas. Com isso, as pessoas ficam mais sensíveis às questões acerca da problemática ambiental. Um dos conceitos melhor estabelecidos nas práticas conservacionistas é o que diz que só se preserva aquilo que se conhece. E a Zoologia Cultural funciona para mostrar que o público, muitas vezes, não conhece a espécie animal real, mas conhece o personagem cultural que nela foi inspirado. A animação “Rio” (2011, com direção de Carlos Saldanha) é um excelente exemplo: poucas pessoas conheciam a ararinha-azul mas, a partir dos personagens Blu e Jade, a espécie passou a ser mais conhecida, o que pode causar benefícios às tentativas de sua preservação.”

Cite personagens da cultura pop, das HQs e do cinema que podem despertar discussões sobre preservação e ecologia.
“Além dos já mencionados Blu e Jade, há também os peixes dos longas de animação ‘Procurando Nemo’ e ‘Procurando Dory’ (especialmente o peixe-palhaço e o cirurgião-patela, espécies respectivamente de Nemo e Marlin e de Dory), o ‘Pica-Pau’ (personagem do desenho animado inspirado em uma espécie real em grande risco de extinção), os leões dos longas ‘O Rei Leão’ e os gorilas de ‘Tarzan’, além de muitos personagens carismáticos e queridos do público que curte cultura pop, como ‘Homem-Aranha’, ‘Batman’, ‘Homem-Formiga’, ‘Vespa’, ‘Mulher-Gavião’ e ‘Wolverine’. Curiosamente, pouca gente sabe que o Wolverine é inspirado em um bicho, um carnívoro de áreas frias do Hemisfério Norte, o glutão ou carcaju.”

Wolverine, Batman, Homem-Aranha, Pica-pau, Blu e Jade, Mulher-Gavião, O Rei Leão: presença animal na cultura pop.
Foto: Montagem/Reprodução da internet

Há grupos de animais que são estigmatizados injustamente? No início da pandemia, por exemplo, muitos culparam os morcegos como transmissores da covid-19. Há, de fato, essa associação?
“Esse é um tema excelente e os morcegos são um ótimo exemplo. É fundamental fazer sempre a divulgação que a culpa do surgimento de uma nova doença, a covid-19, é do próprio homem, que dizima áreas naturais e caça animais silvestres, aumentando assim a chance do espalhamento de novas doenças. A propósito, aproveito para lembrar que nós só vamos superar essa pandemia terrível quando todos estiverem imunizados. Por isso, é fundamental que todos tomem as doses necessárias da vacina. E, mesmo depois da vacina, é fundamental que se continue fazendo as medidas preventivas não-farmacológicas: isolamento social e uso de máscara quando na rua.

Voltando aos morcegos, eles sempre tiveram, de modo injustificável, uma má fama geral. Tem que se trabalhar, em termos de divulgação científica, a informação de que eles desempenham papéis ecológicos importantíssimos, o que acontece com todos os seres vivos, por sinal. Além de se poder usar um personagem tremendamente icônico, o Batman, como possível ‘embaixador cultural’ da preservação dos morcegos.

Outros bichos também sofrem com a má fama. Por conta dos filmes, isso acontece com as orcas e os tubarões. Chega a ser até um pouco engraçado, mas, por conta das produções culturais, temos um medo irracional desses predadores marinhos, sendo que a maioria de nós sequer terá chegado perto de um ao longo da vida. Não faz qualquer sentido! E como se resolve isso? Uma vez mais com conhecimento e divulgação científica. O mesmo se aplica aos répteis, anfíbios, insetos, aracnídeos e outros animais que sofrem com uma visão popular negativa.”

Você acha que questões relacionadas à preservação do meio ambiente ainda são pouco discutidas nas escolas e universidades?
“Sem dúvida. Basicamente, hoje em dia essas questões são trabalhadas apenas por obra e graça de alguns projetos e das iniciativas individuais de uns poucos professores. É necessário que se tenha um projeto nacional de educação ambiental nas escolas, que tem que passar pela valorização das disciplinas da área nos cursos superiores, especialmente as licenciaturas, para que se formem professores aptos às abordagens didáticas.”

Acredita que a Zoologia Cultural pode ser uma eficaz ferramenta de reflexão para as mudanças de hábito e a relação com o planeta e a natureza?
“Essa é uma discussão absolutamente necessária. E eu sou convicto que, por lidar com sentimentos que são caros a todos, a Zoologia Cultural se presta super bem a esse papel.”

Como é esse seu projeto ‘A Zoologia na Composição de Personagens Fictícios’?
“Com esse nome, o projeto está cadastrado no setor de Pesquisa da UNIRIO. Um outro braço do projeto está cadastrado no setor de Extensão, com o nome de ‘Zoologia Cultural’. O primeiro tem como objetivo inventariar diversas produções culturais que façam menção a animais e apontar possibilidades de utilização. Ao longo de sua duração, já analisamos HQs, livros, desenhos animados, séries de TV, músicas, arte urbana, objetos culturais diversos, tatuagens corporais e, certamente, há muito mais produções culturais passíveis de estudo. Já a parte de Extensão se dedica à divulgação e aplicação dos resultados das pesquisas. Para tal, temos realizados eventos públicos, como o Colóquio de Zoologia Cultural, realizado anualmente desde 2016, e a Mostra de Biologia Cultural, realizada irregularmente desde 2018. As quatro primeiras edições do Colóquio de Zoologia Cultural, realizadas de 2016 a 2019, foram presenciais, mas a última, em dezembro de 2020, foi remota por conta da pandemia, estando inteiramente disponível para visitação no YouTube. A Mostra de Biologia Cultural teve duas edições presenciais em 2018, uma em 2020 (essa feita ainda antes da pandemia) e outras quatro, ainda em 2020, como evento de Facebook, ou seja, foram realizadas em modo remoto.

Além disso, temos uma revista, chamada ‘A Bruxa’, criada em 2017 e dedicada inteiramente à publicação de artigos que versem sobre a associação entre Ciência e Cultura. A revista já tem um elenco bastante legal de artigos publicados e são todos interessantes demais. Tudo disponível gratuitamente em www.revistaabruxa.com.

Quais os próximos planos com esse projeto?
“Os próximos passos são a continuidade dos estudos, ampliando as mídias pesquisadas, além da constante divulgação da Zoologia Cultural, através da participação em eventos, do oferecimento de cursos e palestras, e da visita a escolas. Tudo isso via internet, ao menos enquanto a situação sanitária não permitir o retorno às atividades presenciais.”

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@labeuc.elidiomar