Estudo da Embrapa Cerrados (DF) conduzido por 26 meses no Distrito Federal demonstrou que áreas de vegetação nativa de Cerrado e campos agrícolas substituídos por plantações de eucalipto apresentam comportamentos semelhantes em relação à mitigação de gases de efeito estufa (GEEs). A pesquisa comprovou que as emissões de óxido nitroso (N2O) e metano (CH4) se mantiveram baixas em ambas as áreas no período avaliado, mesmo com diferentes manejos e datas de plantio. Esse resultado demonstra que as florestas plantadas podem ser uma alternativa eficaz para reduzir a pressão sobre a vegetação nativa, contribuindo para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.
“O resultado representa uma importante contribuição para a melhor compreensão da dinâmica dos fluxos de GEEs em plantações de florestas comerciais na região do Cerrado”, afirma a pesquisadora Alexsandra Oliveira, responsável pelo estudo, descrito no artigo CH4 and N2O fluxes from planted forests and native Cerrado ecosystems in Brazil, publicado na revista Scientia Agricola, da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (Esalq/USP).
O trabalho conduzido por pesquisadores da Embrapa Cerrados, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF) e da Universidade de Brasília (UnB) avaliou a dinâmica dos fluxos de CH4 e de N2O em solos sob plantações de eucalipto e vegetação nativa do Cerrado, além de possíveis interações entre fatores ambientais e esses fluxos.
Já se sabe que a mudança de uso da terra promove alterações nas propriedades químicas, físicas e biológicas do solo, levando a mudanças nos fluxos dos GEEs, e que os solos de florestas podem ser emissores de N2O e normalmente atuam como drenos de CH4 e de gás carbônico (CO2). No entanto, enquanto o CO2 é o mais estudado com relação aos efeitos, ainda são poucos os estudos sobre o potencial de emissão ou consumo de GEEs (CH4 e N2O) por florestas nativas e plantações comerciais de eucalipto no bioma Cerrado.
Segundo os pesquisadores, era necessário realizar essas avaliações, pois o eucalipto é o gênero de espécie florestal mais plantado no Brasil. Graças especialmente ao eucalipto, o País é o maior exportador de celulose do mundo – mais de 13,4 milhões de toneladas (pouco mais de US$ 5 bilhões) foram exportadas entre janeiro e outubro de 2020, de acordo com o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
Os principais gases geradores do efeito estufa
A quantidade de gases emitidos por atividades humanas tem aumentado ao longo dos anos e continua crescendo. Cientistas perceberam que o acúmulo desses gases na atmosfera cria uma espécie de estufa, que absorve a radiação infravermelha refletida pela superfície da Terra. Em vez de ser emitida para o espaço, essa radiação fica retida, armazenando calor e resultando no aumento da temperatura do planeta.
De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), não há como baixar a temperatura global – o desafio é evitar que ela continue a se elevar ainda mais. A ideia é limitar o aumento a um máximo de 1,5 a 2 graus Celsius, considerando a sustentabilidade do planeta, a capacidade de produzir alimentos e a sobrevivência da espécie humana. O Brasil tem metas obrigatórias para reduzir as emissões de gases de efeito estufa – as mais próximas são a de redução de 37%, até 2025, em relação aos níveis de 2005, e um indicativo de meta para 2030, de 43% de redução.
Para isso, é preciso reduzir as emissões dos três principais gases de efeito estufa:
Metano (CH4) – é gerado quando a matéria orgânica entra em decomposição em locais em que não há oxigênio disponível (digestão anaeróbica). O biodigestor, por exemplo, faz uso da matéria orgânica para gerar o biogás. Hidrelétricas, aterros sanitários e lixões geram metano em grande quantidade, assim como o cultivo de arroz e a digestão bovina.
Dióxido de carbono ou gás carbônico (CO2) – é considerado pelo IPCC o principal responsável pelo aquecimento global, estando presente em 78% do total de gases emitidos para a atmosfera. As principais fontes são desmatamentos, queimadas e combustíveis fósseis. Indústria, automóveis, aviões, são os principais geradores de gás carbônico.
Óxido nitroso (N2O) – como gás de efeito estufa, é cerca de 265 vezes mais danoso que o CO2 e pode permanecer no ar por pelo menos 114 anos. De acordo com o IPCC, a agropecuária produz N2O em grandes quantidades, e o uso de adubação nitrogenada e a mineralização de resíduos podem ser apontadas como as principais práticas geradoras desse gás. Os fertilizantes sintéticos e a calagem respondem por 9,6% do total das emissões.
Solo sequestrador de metano
Durante o período do estudo, os fluxos médios de metano (CH4) se mantiveram negativos, o que indica potencial de mitigação, enquanto valores positivos correspondem às emissões para atmosfera.
Na média agrupada, as florestas de eucalipto absorveram cerca de 1,5 kg de CH4/ha/ano, enquanto a área de Cerradão absorveu 1,1 kg de CH4/ha/ano. O estudo aponta que esses valores estão de acordo com os relatos na literatura científica de que florestas e savanas indicam captação de metano da atmosfera, uma vez que a quantidade consumida pelo ambiente foi maior que a produzida.
Baixas emissões acumuladas de óxido nitroso
Já as emissões acumuladas de N2O nas três áreas foram iguais ou inferiores a 0,85 kg/ha/ano nos dois anos. Dessa forma, as emissões acumuladas de N2O foram em média 0,53 kg/ha/ano para florestas de eucalipto e 0,33 kg/ha/ano no Cerrado nativo.
Esses valores são considerados baixos se comparados aos observados em sistemas agrícolas convencionais no Cerrado, normalmente superiores a 1 kg N2O/ha/ano – no caso do milho em monocultivo, por exemplo, pesquisas observaram emissões superiores a 2,3 kg N2O/ha/ano.
A pesquisadora Eloisa Ferreira, uma das autoras do trabalho, ressalta que o estudo deixou claro que as florestas plantadas podem ser uma alternativa para reduzir a pressão sobre a vegetação nativa e ainda ocupar áreas marginais, contribuindo para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.
Por outro lado, ela pondera que a pesquisa somente é válida dentro das condicionantes adotadas pelos pesquisadores. “Não é prudente extrapolar os resultados para plantios a serem implementados”, diz Ferreira, ressaltando que, no período de pesquisa, as áreas plantadas de eucalipto e de Cerrado nativo não foram adubadas com N, estando submetidas apenas à ciclagem natural de nutrientes. “Se houvesse adubação nitrogenada durante a pesquisa, os resultados seriam diferentes. Muito provavelmente, a emissão do N2O seria maior.”
Variáveis ambientais
No estudo conduzido pela Embrapa Cerrados, nenhuma variável ambiental se destacou como elemento-chave na emissão significativa de GEEs. “Os resultados indicam que a falta de efeitos ambientais consistentes pode se dever tanto à baixa emissão intrínseca de GEEs pelo solo como à variabilidade dos fatores de solo e clima, em função da marcada sazonalidade apresentada pelo Cerrado, com estações seca e chuvosa bem definidas, além das características próprias (qualidade, decomposição, ciclagem, entre outros) dos ambientes florestais nativos e cultivados”, declara Alexsandra Oliveira.
Eucalipto no Cerradão
O estudo foi realizado entre outubro de 2013 e novembro de 2015 e avaliou o solo e as variáveis climáticas em três áreas próximas entre si na região do Paranoá (DF). Duas de eucalipto, de 12 e 19 hectares, e uma que corresponde a 3,5 hectares de Cerrado nativo, com formação florestal de Cerradão.
Os GEEs foram coletados em três amostragens mensais, por meio de 36 câmaras estáticas instaladas nas áreas. As concentrações de CH4 e N2O foram medidas por cromatografia gasosa, em laboratório.
Variáveis ambientais também foram avaliadas para serem correlacionadas com os fluxos de CH4 e N2O. A temperatura do solo foi medida próximo às câmaras, no horário das medições dos gases, assim como foram retiradas amostras de solo para determinar os teores de nitrogênio mineral. Também foram determinadas a densidade, a umidade do solo e o espaço poroso saturado por água (EPSA), índice que representa o quanto do solo estaria preenchido com água, cujo valor máximo seria de 100%.
Fonte: Embrapa