Em meio à devastação provocada pelas queimadas no Pantanal, a Fazenda São Francisco do Perigara, em Barão de Melgaço, no Mato Grosso, trouxe alento aos pesquisadores que começam a avaliar os efeitos do pós-fogo para o bioma. A propriedade é santuário de araras azuis e, apesar de ter 92% do território afetado pelas chamas, ainda registra a presença maciça dessa ave e de outras espécies.
O levantamento preliminar foi feito pelo Instituto Arara Azul, com apoio de outros pesquisadores, de 22 a 27 de setembro deste ano, cerca de um mês depois do incêndio ter atingindo a propriedade de 24.994 hectares. O trabalho foi desenvolvido com o apoio de organizações de conservação como o WWF-Brasil, responsável pela logística.
A Fazenda Perigara, como é conhecida, é o principal refúgio das araras azuis, concentrando 15% da população total da espécie. Próximo da sede, um bocaivual (aglomerado de palmeiras bocaiúvas) é usado pelas aves como dormitório há pelo menos 60 anos. No pico, já foram registradas cerca de 1mil aves na área, a maior parte, jovens adultos não reprodutivos.
15%
da população total de araras-azuis se concentram na área da Fazenda Perigara, no Mato Grosso
O incêndio veio de uma área vizinha. “O fogo entrou soberano, dominante”, descreveu Ana Maria Barreto, proprietária da Fazenda Perigara, em live divulgada nas redes sociais no último dia 29 de setembro. “Quando sobrevoamos, na ida, a sensação que me deu foi acabou tudo, não tem mais Pantanal”, disse a presidente do instituto, Neiva Guedes, docente do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional da Uniderp que coordenou a equipe da expedição com mais cinco pesquisadores, entre biólogos e ornitólogos.
O dormitório não foi afetado, mas no entorno, a vegetação em especial as palmeiras acuri e bocaiuva que são itens consumidos pelas araras, foram bastante impactados pelo fogo e levam um ano para produzirem novos cachos.
Esperança à vista
Em campo, percorrendo a propriedade, a impressão negativa inicial deu lugar à esperança. Os pesquisadores perceberam que a passagem do fogo não foi homogênea. Foram encontradas áreas destruídas, em que até as palmeiras mais altas foram atingidas, outras com menor impacto e bolsões de área verde, bem conservados. No segundo dia de expedição, a surpresa: “Encontramos uma ema macho, com 16 filhotes com cinco dias de idade, um mês depois do incêndio, nosso coração disparou, a gente não esperava mais ver essa cena.”
O ornitólogo Pedro Scherer Neto, que realizou o censo de aves na fazenda em 2001 e, desde então, faz acompanhamento na propriedade, também se mostrou aliviado com o que encontrou. “Elas (araras) estão lá”, disse, explicando que, apesar de terem abandonado o dormitório, estão espalhadas pela propriedade.
O censo, explicou Scherer, foi feito com base no comportamento único adotado pelas araras azuis que povoam a Fazenda Perigara. Essas aves seguem o gado, aproveitando os frutos de palmeiras deixados pelas reses e esses frutos são a principal fonte de alimento das araras. Onde estava o rebanho, lá estavam elas.
Na expedição, também foram identificados outros animais pelo caminho. O biólogo Bruno Carvalho flagrou pegadas de onças, queixadas, veados e antas. O desafio será garantir a sobrevivência dos animais no pós-fogo, quando a devastação ainda é problema na busca de alimentos.
Reprodução das araras
A reprodução das araras também pode ser comprometida. Nesta viagem não foi possível monitorar os 30 ninhos cadastrados, devido aos acessos interrompidos por árvores e galhos caídos. Foram monitorados 21 ninhos dos quais um estava com um ovo e três estavam com um filhote cada um. Analisando o mês de setembro em 2018 e 2019 verificou-se que houve um impacto de 35% nos casais reprodutivos.
Algumas medidas já foram tomadas no manejo do ambiente, como aprofundamento dos tanques de armazenamento de águas e uso de caixas para substituir ninhos. Segundo Neiva Guedes, os impactos pós fogo são, talvez, piores que o próprio incêndio, pois a fauna que sobrevive precisa encontrar abrigo, alimento e escapar da predação. E este é o caminho que as araras vão enfrentar agora.
Por WWF Brasil