O norte do oceano Pacífico é o lar de um peixe predador assustador chamado lingcod (Ophiodon elongatus) – também conhecido como bacalhau ling. Certamente, você iria pensar duas vezes antes de arriscar a colocar a mão na água onde essas criaturas habitam. Vai que ele confunde com uma presa? Isso porque esses peixes podem ter até 1,50 metro de comprimento e 80 quilos, possuem cerca de 500 dentes em forma de agulha saindo de suas mandíbulas, fortes o suficiente para esmagar crustáceos.
Ter tantos dentes afiados permite que os lingcods cacem de tudo, desde lulas escorregadias até caranguejos com carapaças duras. Como esses predadores mantêm seus dentes assustadores tão afiados sempre foi um mistério. No entanto, um estudo recente publicado na revista Proceedings of the Royal Society B, afirma que o lingcod do Pacífico substitui cerca de 3% dos seus dentes todos os dias – o equivalente a 20 dentes por dia. Uau!
“Cada superfície óssea de suas bocas está coberta de dentes”, disse a coautora do estudo Karly Cohen, doutoranda em biologia na Universidade de Washington, nos Estados Unidos.
Muito do que os cientistas sabem sobre a substituição de dentes em peixes vem dos tubarões e de outros peixes com dentes incomuns. Os tubarões têm múltiplas fileiras de dentes dentro de seus maxilares que estão sendo constantemente trocados.
Mas os dentes de tubarão diferem significativamente daqueles encontrados na maioria dos peixes, e é por isso que as descobertas do lingcod poderiam ajudar os cientistas a entender melhor o fenômeno da substituição dos dentes nos peixes.
Cerca de 20% do lingcod possui carne verde ou azul fluorescente, e os cientistas ainda não têm certeza do porquê de isso acontecer. Seus dentes são semelhantes a de muitos outros peixes, o que é uma das razões pelas quais “eles servem como um bom modelo para estudar dentes em peixes”, destaca Cohen.
Por exemplo, os dentes de um organismo podem revelar como e o que ele come. “E porque os dentes fossilizam tão bem, eles são o artefato mais abundante no registro fóssil para muitas espécies”, comentou. Para outros, seus dentes podem ser o único registro que a espécie já existiu.
Como os dentes descartados são tão comuns, é claro que os peixes perdem muitos dentes. O problema, de acordo com Cohen, era que “realmente não tínhamos ideia de quanto era ‘muito’.”
Como foi feita a pesquisa
A fim de determinar a frequência com que o lingcod substitui seus dentes, Cohen e seus colegas mantiveram 20 desses peixes em cativeiro e rastrearam o número de dentes perdidos e regenerados durante vários dias.
Os peixes foram colocados em um tanque de água do mar preenchido com um corante vermelho que manchava seus dentes e depois retornaram ao tanque normal por 10 dias. Decorridos os 10 dias, os peixes foram colocados em um tanque contendo um corante verde, depois sacrificados e examinados. Os dentes que estavam presentes desde o início do experimento eram tanto vermelhos quanto verdes, enquanto os novos dentes eram apenas verdes.
Após coletar e examinar um total de 10.000 dentes, os cientistas foram capazes de determinar a rapidez com que o lingcod perdeu e regenerou sua dentição, assim como quais dentes foram substituídos com mais frequência. “É absolutamente insano quantos dentes estão sendo substituídos”, contou a principal autora do estudo Emily Carr, que é pesquisadora de graduação na Universidade do Sul da Flórida.
O lingcod, como a maioria dos peixes, tem dois conjuntos de mandíbulas: a mandíbula oral e a mandíbula faríngea. Suas mandíbulas orais são usadas para capturar e esmagar presas, enquanto suas mandíbulas faríngeas, que estão posicionadas em sua garganta, são usadas para mastigar o alimento e movê-lo da boca para o estômago. Carr e seus colegas descobriram que os dentes são substituídos com mais frequência na parte posterior da boca, onde ocorre a maioria das mastigações e esmagamentos.
A maneira como esse peixe ósseo predador substitui seus dentes é provavelmente crucial para sua estratégia de caça. Ter a capacidade de perder dentes e substitui-los é muito importante para deixá-los sempre afiados para capturar as presas.
Os pesquisadores também descobriram que, assim como nos humanos, a substituição de dentes no lingcod é predeterminada, o que significa que os dentes são substituídos por outros do mesmo tipo e que eles não ficam maiores com o tempo.
A expectativa de Cohen e de seus colegas é que seu estudo ajude os cientistas a desmistificar o mundo da dentição de peixes e inspire outros a estudar mais espécies. Corey Evans, ecologista de peixes da Universidade Rice, em Houston, disse que espera que alguns pesquisadores aventureiros olhem mais de perto a boca do Sargo-de-dentes (Archosargus probatocephalus).
“Eles têm dentes estranhos, nojentos, de aparência humana e eu tenho que descobrir o que está acontecendo lá dentro. As pessoas merecem saber.”
Fonte: Live Science