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Primeira ‘fazenda’ de polvos do mundo está gerando polêmica

Especialistas argumentam que polvos são criaturas ‘sencientes’, ou seja, sentem dor e emoções. Foto: Pixabay

A notícia de que a primeira fazenda comercial de polvos do mundo está mais perto de se tornar realidade na Espanha foi recebida com consternação por cientistas e conservacionistas que têm defendido que os animais não devem ser criados em cativeiro.

Especialistas argumentam que, além de inteligentes, esses invertebrados são criaturas “sencientes” – ou seja, consideradas capazes de sentir dor e emoções. Assim, como o polvo nunca chegou a ser domesticado, com as informações disponíveis hoje não seria possível garantir seu bem-estar em um criadouro.

Em Bristol, no Reino Unido, a aquarista Stacey Tonkin trabalha diariamente com esses animais. Ela faz parte de uma equipe de cinco profissionais do aquário da cidade que se revezam para cuidar de Davy Jones, DJ, um polvo gigante do Pacífico – e diz que ele reage de maneira diferente a cada um deles. Quando ela levanta a tampa do tanque para alimentar DJ, ele frequentemente sai de sua caverna para vê-la e coloca os braços no vidro. Isso se estiver de bom humor. Os polvos vivem cerca de quatro anos – então, com um ano, segundo ela, DJ é o equivalente a um adolescente.

“Ele definitivamente mostra o que você esperaria de um adolescente – alguns dias está bem mal-humorado e dorme o dia inteiro. Em outros, é muito brincalhão, ativo, quer ficar dando voltas no tanque e se exibir.” Os cuidadores alimentam o polvo com mexilhões e camarões e pedaços de peixe e caranguejo. Às vezes, colocam a comida em um brinquedo de cachorro para que o animal possa brincar com seus tentáculos e praticar suas habilidades de caça.

A cor do polvo, conta Stacey, muda conforme seu humor. “Quando está marrom-alaranjado, é mais como um tipo de sentimento ativo ou lúdico. Já com manchinhas é mais curioso e interessado. Às vezes ele está nadando em tons de laranja e marrom, vem pra perto de você e fica cheio de manchinhas, só observando. É incrível.” Para ela, o animal mostra sua inteligência através dos olhos. “Quando você olha para ele e ele olha para você, você pode sentir que há algo ali.”

O Reino Unido se prepara para incluir em sua legislação uma emenda ao Projeto de Lei do Bem-Estar Animal que reconhece o polvo como animal “senciente”. A mudança vem depois que uma equipe de especialistas examinou mais de 300 estudos científicos e concluiu que havia “fortes evidências científicas” de que esses invertebrados podiam sentir prazer, excitação e alegria, além de dor e angústia.

Os autores disseram estar “convencidos de que a criação de polvos em condição de alto bem-estar era impossível” e que o governo “poderia considerar a proibição da importação de polvos cultivados em criadouros” no futuro. O consumo desses animais, contudo, segue numa crescente – da Ásia ao Mediterrâneo e, cada vez mais, nos Estados Unidos. Na Coreia do Sul, as criaturas às vezes são comidas vivas.

O número de polvos na natureza está diminuindo e os preços, subindo. Estima-se que 350 mil toneladas são capturadas a cada ano – mais de 10 vezes o volume de 1950. Nesse contexto, a corrida para descobrir o segredo para se criar polvos em cativeiro se arrasta há décadas. Isso porque não é simples “domesticá-los”, já que comem apenas alimentos vivos e precisam de um ambiente cuidadosamente controlado.

Empresas em países como México, Japão e Austrália já investiram nessa área, mas foi uma multinacional espanhola, a Nueva Pescanova (NP), a primeira a anunciar o início de fato do cultivo, previsto para 2022. A carne do animal começaria a ser comercializada em 2023. A companhia desenvolveu seu método com base em uma pesquisa do Instituto Oceanográfico Espanhol que aborda os hábitos reprodutivos do polvo comum – Octopus vulgaris.

Conforme a PortSEurope, a fazenda comercial estará localizada perto do porto de Las Palmas, nas Ilhas Canárias, com produção prevista de de 3 mil toneladas de polvo por ano. Ainda de acordo com o portal, a iniciativa, segundo a empresa, ajudaria a reduzir a quantidade de animais selvagens retirados da natureza.

Procurada diversas vezes pela reportagem da BBC, a Nueva Pescanova não respondeu aos pedidos de detalhamento sobre as condições em que os polvos serão mantidos. Informações como tamanho dos tanques, a comida com que os animais serão alimentados e como serão abatidos não foram reveladas.

Um grupo de pesquisadores dos EUA, Austrália e Inglaterra descreveu alguns anos atrás a criação dos animais em cativeiro como “ética e ecologicamente injustificada”. Em outubro deste ano, a organização ativista Compassion in World Farming (CIWF) tentou contato com governos de vários países – incluindo a Espanha – instando-os a banir a iniciativa.

“Esses animais são incríveis. São solitários e muito espertos. Colocá-los em tanques estéreis sem estimulação cognitiva é errado”, diz Elena Lara, gerente de pesquisa da CIWF. Segundo ela, qualquer pessoa que assistiu ao documentário vencedor do Oscar de 2021 – Professor Polvo (My Octopus Teacher) – entenderá a questão. Os polvos têm cérebros grandes e complexos. Sua inteligência foi comprovada em vários experimentos científicos – em que foram, por exemplo, observados usando coco e conchas do mar para se esconder e se defender e em que mostraram que podem aprender tarefas rapidamente.

Também conseguiram escapar de aquários e roubar armadilhas colocadas por pescadores. Os animais não têm esqueletos para protegê-los e são altamente territoriais. Portanto, poderiam ser facilmente machucados em cativeiro. Se houvesse mais de um polvo em um tanque, os especialistas dizem que eles poderiam começar a comer uns aos outros. Se a fazenda de polvos for instalada na Espanha, aparentemente as criaturas criadas lá receberão pouca proteção sob a lei europeia. Os polvos – e outros cefalópodes invertebrados – são considerados seres sencientes, mas a legislação da UE que cobre o bem-estar dos animais de criação só se aplica aos vertebrados – criaturas que têm espinha dorsal.

Além disso, de acordo com a CIWF, não existe atualmente nenhum método cientificamente validado para seu abate humanitário.

Fonte: UOL com informações da BBC

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